quarta-feira, 7 de julho de 2010

ParaFreireando

"Não junto a minha voz às dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo, a sua resignação.

Minha voz tem outra semântica, tem outra música.

Falo da resistência, da indignação, da “justa ira” dos traídos e dos enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas."


(Paulo Freire, 1997)

terça-feira, 4 de maio de 2010

“Se eu sou demônio desse inferno tenho vários cúmplices comigo” [1]

No livro “Proibições, riscos, danos e enganos: as drogas tornadas ilícitas” (2009), a ex-juíza Maria Lucia Karam, hoje aposentada, trata do proibicionismo criminalizador voltado contra as drogas tornadas ilícitas. Este tema vem sendo discutido há alguns anos pela autora, que antes de lançar o livro já havia publicado vários artigos sobre o assunto. Posicionando-se a favor da legalização das drogas a autora encontra respaldo para suas argumentações na própria Constituição, que garante a liberdade individual, restringindo o poder do Estado a intervir na conduta de uma pessoa apenas quando esta causar danos a terceiros. Assim sendo, a decisão de usar ou não algum tipo de droga é, segundo a autora, um direito constitucionalmente garantido que vem sendo violado através da criação de legislações proibicionistas e criminalizadoras. Legislações que, baseadas na violação sistemática de princípios e normas conquistados nas declarações universais de direitos humanos e nas constituições democráticas, detonam a saúde e os direitos sociais.

Segundo Karam, não são as drogas que geram criminalidade e violência, nem os consumidores responsáveis pela violência dos ‘traficantes’. Isto porque, como consumidores de qualquer produto, os consumidores das drogas tornadas ilícitas são responsáveis apenas pela existência do mercado. A violência é, na realidade, responsabilidade do Estado que, ao optar por políticas repressivas, cria ilegalidade e gera criminalidade e violência.
O sociólogo Loic Wacquant, na obra “As prisões da miséria” (2001), traz algumas reflexões sobre como no mundo inteiro - portanto não podemos analisar o Brasil fora do mundo, ainda mais no processo de globalização - temos uma tendência a reduzir o Estado Social e em seu lugar instaurar um Estado Repressivo e Penal. No Brasil, tal tendência fica clara quando vemos como decresceu o investimento na educação, quando percebemos que o Pib do país não consegue aplicar a devida percentagem em educação, enquanto os investimentos em políticas como a da “Guerra as Drogas” tomam proporções cada vez maiores. Isso demonstra que realmente se pensou, em termos de controle e dominação, que se podia trocar um Estado Social por um Estado Penal, ou seja, onde não há um Estado Social, uma justiça absolutamente repressiva e criminalizadora é instalada. Os crimes são fabricados justamente pela falta de implantação e pela desvalorização das políticas sociais. Quando não se promovem as políticas públicas e não se implanta um Estado Social de verdade, se produz criminalidade.
A saúde pública é um dos grandes prejudicados pela proibição indiscriminada das drogas. Ao inviabilizar a realização de um controle oficial mínimo sobre a qualidade da droga produzida e consumida, coloca-se desnecessariamente os usuários em situações de risco. Quando ilegal, a droga vira uma mercadoria sem controle de qualidade, ou seja,  a clandestinidade impossibilita que as autoridades sanitárias façam algo a respeito, nem mesmo informar os consumidores sobre os efeitos nocivos das substâncias psicoativas ou investir em infraestrutura e formação continuada dos profissionais do sistema de saúde para melhor atender usuários e  eventuais dependentes. Ao invés disso, produz ainda a marginalização destes, que acabam  sendo tratados como delinqüentes que merecem ser castigados.
A ilegalidade dificulta também a busca por assistência. A necessidade de revelar a conduta considerada ilícita para ser devidamente atendido acaba levando muitos usuários e familiares a ficarem receosos e acabarem deixando a situação se agravar, sem nenhuma possibilidade de orientação. A proibição dificulta muito o diálogo com pais, professores, o acesso à informação.
É de extrema importância perceber ainda que as drogas não são em si mesmas prejudiciais à saúde, isso dependerá diretamente do tipo de uso que se faz delas. O eventual uso abusivo ou dependente de drogas ilícitas, como o uso de qualquer substância, está relacionado muito mais a uma manifestação de um problema anterior do que a substância em si. Isto fica mais claro quando percebemos casos cada vez mais freqüentes e graves dos chamados “workaholics”, por exemplo. Ora, dever-se-ia, neste caso, criminalizar o trabalho? Certamente não – mesmo porque, sem me aprofundar muito, isso iria de encontro a lógica do sistema capitalista em que toda esta discussão está imersa e, portanto, sendo profundamente influenciada. A questão aqui é perceber que a compulsão vem, na realidade, como sintoma de um desconforto de outra ordem, anterior a dependência do trabalho e não necessariamente relacionado a ele. O comportamento compulsivo por trabalho, assim como por qualquer substância ilícita ou lícita, é uma estratégia criada pelo indivíduo para sinalizar ou conviver com desconfortos mais profundos e difíceis de serem acessados.

Desta maneira, cada pessoa usa drogas de formas diferentes, assim como faz com o trabalho ou com qualquer substância. Podem inclusive ser utilizados de formas diferentes pela mesma pessoa em momentos distintos de sua vida. A questão é a de que, na realidade, qualquer uma dessas práticas quando extremadas (seja pelo excesso, seja pela abstinência) podem ser daninhas. Sendo assim, ao contrário do que alegam os proibicionistas, tratamentos de abstinência aumentam o sofrimento, sem qualquer efeito terapêutico significativo, já que o real problema continua sendo negligenciado.

Se a preocupação com a saúde e o bem-estar social fosse a questão política fundamental, o mais adequado seria sua legalização, e não a criminalização. A legalização faria com que a droga deixasse de ser tratada como problema de polícia e passasse a ser tratada como uma questão da saúde pública e de escolhas pessoais), como se passa com as drogas lícitas, mesmo porque a distinção entre umas e outras é arbitrária. Com a legalização, as substâncias hoje consideradas ilícitas poderiam ser regulamentadas pelo Estado, o que colaboraria não só para a melhor administração das substâncias, como também para o aprimoramento de tratamentos menos invasivos e sofridos dos eventuais dependentes. 

A criminalização das drogas ao prejudicar os sistemas de saúde e violar direitos humanos e fundamentais da democracia, não pode estar protegendo a sociedade, como vem sendo propagandeado pelo Estado. Este tipo de alegação não passa de um pretexto para legitimar um modelo político prioritariamente punitivo e coercitivo. Esta direção das políticas é cúmplice de um processo criminalizante e um processo que atenta contra população, em especial contra a população mais indefesa, com menos acesso e alcance a justiça e a saúde.



[1] Trecho da música “A história de um traficante” (Facção Central)




quarta-feira, 14 de abril de 2010

Afinal, que bicho é esse de Direitos Humanos?




A discussão que norteia a luta pelos direitos humanos é a de em qual mundo queremos viver. Queremos um mundo com diversidade, alegria, animais, velhos e crianças? Esse mundo vai precisar de engajamento político, valores, pesquisa, prática... Direitos humanos não são algo dado, natural. Por isso é necessária a luta por eles. Esses direitos vão sendo ampliados a medida que conquistas vão sendo feitas no plano do direito (lei) e nas práticas.
A partir de 1689 com a Bill of Rights e as sucessivas Declaração da Virgínia (1776) e Declaração da Revolução Francesa (1789) começamos a entender os homens como livres e iguais. Ou seja, a igualdade é, no ponto de vista histórico, muito recente. A colonização do Brasil, por exemplo, se deu apoiada na desigualdade das pessoas, no trabalho escravo, indígena e africano. É verdade que a escravidão ocorreu em diversos países, em diversas épocas, mas na América ela veio como um empreendimento. Os africanos escravizados eram a mão de obra do Brasil colônia e também sustentavam o mercado do tráfico negreiro, movimentando muito capital. Sendo assim, tornava-se especialmente desinteressante falar em igualdade dos homens. Até a abolição da escravidão, em 1888, a desigualdade era legítima. Atualmente, apesar de sabermos que ainda há venda e escravização de pessoas, a desigualdade não é legitima. Há uma lei dizendo que isso é proibido. No entanto, não é suficiente afirmar na lei, é preciso também que essa afirmação seja feita na prática, na vida. É necessário problematizar, discutir, pensar os direitos humanos. Uma prática que vai exigir política, políticas públicas de educação, saúde, moradia, entre outras.
Na Monarquia, as pessoas não tinham direito a vida, elas dependiam do poder soberano, o poder de vida e morte sobre o outro (Foucault), do rei ou da igreja. O pressuposto era a desigualdade. As pessoas não tinham direito de vida, direito de ser alimentado etc. Nada disso era obrigação do Estado. Tais ações ficavam por conta do sistema caritativo, no esquema “uma esmola pelo amor de Deus”. E é contra isso que surgem os direitos humanos, que através do princípio da igualdade humana, igualdade esta em termos de dignidade humana, vem garantir o direito de vida de todos os seres humanos.
Pensando como profissional, como psicóloga, e não só como cidadã, é importante lembrar sempre de que os profissionais têm um código de ética. As profissões estão regulamentadas no Ministério da Educação e uma série de responsabilidades é colocada nas mãos desses profissionais. Há uma relação contratual - o capitalismo se rege na confiança dos contratos estabelecidos, dos valores éticos ao exercer a profissão. Porém, existem relações que não são contratuais e sim de tutela.
Contrato e tutela diferem no sentido de que o contrato é feito entre pessoas “livres” (uma pessoa que busca terapia e psicólogo, por exemplo) e a tutela trata de indivíduos que não podem se responsabilizar por todos os seus atos (crianças, loucos, interditados pela justiça), sendo as transgressões destes passíveis de tratamento e não punição. Por exemplo, o criminoso tem discernimento, pode realizar um contrato (sendo “normal” ele é sujeito as leis penais), já o louco que cometeu o mesmo crime por não ser “normal” está tutelado e será então submetido a uma medida de segurança, um tratamento. Este será levado então para um Manicômio Judiciário e só poderá sair quando curado. Acontece que muitas vezes ele não recebe alta nunca e passa o resto da vida na instituição. Não seria isso como uma prisão perpétua? É preciso pensar sobre isso.
Hoje há grande dificuldade de aceitarmos a dignidade de alguns homens ou classes, como, por exemplo, a dignidade de alguém que cometeu um crime. Baseados do pensamento de “direitos humanos para humanos direitos”, justificamos a violação dos direitos dos que “não seguem as regras”. Mas que regras são essas? A quem elas atendem? Quando nem chegamos a questionar esse tipo de coisa, é difícil entendermos porque os direitos humanos são para todos. Não conseguimos entender por quê mesmo os que estão em delito têm direitos e são humanos. Acontece que a justiça atual não é, ou pelo menos não deveria ser, calcada na vingança. A justiça hoje é responsabilização. O homem que comete um delito deve ser responsabilizado com perdas do direito de ir e vir, de capital, por exemplo. A pessoa perde alguns dos seus direitos por ter cometido um delito, não todos. É preciso que esse olhar seja atualizado.
Seguindo essa mesma lógica notamos a dificuldade em respeitar a autodeterminação dos povos. A cada dia aumenta a intolerância entre culturas, o etnocentrismo. Permanecemos presos a um pensamento maniqueísta que encara as diferenças como definidoras do que é bom ou mau. Não percebemos que são, na verdade, singularidades, outras perspectivas, outro olhar sobre o mundo. Que passa a ser ilícito quando quem está no poder assim o entende.
A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, já chega de forma questionável. Ora, “universal” como? Será mesmo que podemos falar de um homem universal, colocando “o homem” como essência? Será que há mesmo essa tal “homenzidade” do homem?
É necessário expandir o pensamento e perceber que os direitos tendem também a ser dos povos, da terra, dos animais, e não só dos humanos. Há uma interdependência. Além disso, não se vive só de liberdade ou só de comida ou só de alegria, é necessário tudo isso e também pertencer a uma coletividade, trabalhar, ter políticas públicas, enfim, questões práticas para o direito ser exercido. É necessário entender de uma vez por todas a indivisibilidade dos direitos.
A sociedade civil é cheia de conflitos de interesses e está completamente desorganizada. Os movimentos políticos estão fragmentados. Essa fragmentação nos tira qualquer possibilidade de mudança, de criação de algo novo, de produção. Pequenos grupos se organizam, a massa não. A sociedade está indiferente e apática e isso faz com que se sigam os jogos de poder. Hoje, em nome da soberania do mercado, as individualidades são massacradas. E como nos posicionamos frente a isso? A sociedade deve exercer seus direitos e sua democracia. O exercício da democracia deve ser fomentado. Acontece que ninguém encara a luta do outro como sua e o que nos resta é ficar procurando um culpado.
Sonho com o dia em que as lutas se unirão e conseqüentemente se fortalecerão. Somente nesse dia seremos capazes de produzir um novo caminho, apontar uma nova direção. Como no dia em que o movimento das mulheres não for mais contra os dos homens ou o movimento das crianças não for mais contra os pais.

um beijo afetado.

terça-feira, 13 de abril de 2010

A culpa é de São Pedro!

“É mesmo um caso de amor, desses que ninguém destrói, Jorge Roberto Silveira e o povo de Niterói”
Nascida e criada em Niterói, foi muito duro pra mim ter vivenciado essa última semana. A chuva que deixou o Estado do Rio de Janeiro davastado teve a cidade de Niterói como uma de suas principais vítimas. Obviamente isso não foi uma implicancia de São Pedro com a cidade mas sim um descuido total do Jorge Roberto Silveira que há alguns anos é o prefeito de Niterói. Depois de alguns dias “ilhada” na Região Oceânica resolvi escrever esse texto como um desabafo.
Moro numa região privilegiada de Niterói, a Região Oceânica. Os acessos que levam até esta área sofreram graves desmoronamentos e a região ficou isolada. Sem internet e telefone, tentei acompanhar todo esse caos pela televisão. Mais uma vez a mídia dominante se mostrou eficiente para aquilo que se propõe: comercializar a pobreza, legitimar o extermínio e ocultar as reais razões dos fatos. Fiquei pensando em como a máquina de captura é eficiente, pricipalmente depois de assistir o Fantástico deste domingo. O programa mostrou durante um tempo significativo cenas de favelas que foram completamente soterradas e as equipes de resgates nesses locais. Depoimentos de pessoas que perderam suas casas, familiares, amigos e histórias fizeram lágrimas rolarem do meu rosto de maneira desenfreada. E é exatamente por isso que eu afirmo que a captura é eficiente. Em nenhum momento da reportagem foi noticiado o que realmente importa: porque essa chuva foi violenta? Quais foram as políticas públicas que foram ignoradas e propiciaram essa tragédia? Porque só filmaram as áreas de risco da população pobre? Quais serão as medidas adotadas agora para essas tantas famílias que estão sem suas casas? Usar o sofrimento humano para tocar as pessoas (comercializando a pobreza) e a partir disso desviar as perguntas essenciais é uma violência tão cruel quanto a força das águas que deixaram o Rio de Janeiro aos pedaços.
A limpa nas favelas é um tema que vem de outros carnavais, ou melhor, de outros jogos esportivos. A chacina ocorrida no Complexo do Alemão em julho 2007, durante o governo do Sérgio Cabral, teve como desculpa a segurança para os jogos pan americanos. Apesar do apoio da mídia dominante e de grande parte da população, esse ato teve como resposta manifestações de repúdio contra essas ações. Com os jogos Olímpicos a caminho foi preciso pensar em novas formas de limpezas (poderia falar das UPP´s mas isso tiraria o foco da onde quero chegar) e de desculpas para as mesmas. Neste sentido parece que as chuvas vieram a calhar, elas estão sendo o evento que precisava para legitimar o extermínio total das favelas. Sou uma pessoa a favor da vida e não nego a necessidade da retirada de famílias de áreas de risco. O que me deixou surpresa foi perceber que no mapeamento das áreas de risco só haviam favelas. E as áreas nobres, porém também de risco, em São Conrado? E as grandes casas da Estrada Froz de Niterói? Repito, não estou negligenciando aqui a necessidade de remoção de certas famílias de suas casas mas acho que devemos pensar cuidadosamente para que não haja uma nova forma para um mesmo extermínio.
Outro ponto que pensei foi sobre as assistências que as autoridades estão dando as famílias que estão sendo removidas. Isto porque, com a ajuda da mídia dominante, mais uma vez, está se implantando a idéia de que os pobres não querem sair de suas casa mesmo sabendo que estas estão em áreas de risco, logo a culpa é deles. Essa premissa poderia até ser considerada verdadeira se não fosse pelo fato do ser humano ocidental ter um histórico de buscar adiar a morte ao máximo (basta prestar a atenção nas tecnologias da medicina) e ser “adestrado” na sociedade pela busca de sua estabilidade (instituição família, o trabalho, os estudos). Se viver no limiar da morte é a “escolha” de algumas pessoas, quais foram as opções dadas a elas? Em Niterói e em Maricá os prefeitos abriram escolas e outros espaços públicos para servirem de alojamentos como medida emergencial. No Rio, Eduardo Paes disponibilizou para algumas famílias uma bolsa de 400 reais durante um ano para cobrir o aluguel de suas moradias (gostaria de saber onde encontrar aluguel a esse valor no Rio de Janeiro). Mais uma vez a população pobre fica vulnerável ao assistencialismo enquanto deveriam estar amparados por políticas públicas. Essa é uma história antiga e que se repete: 1888, a abolição da escravatura é uma data importante marcada por lutas e resistências. Mas também foi marcada por um descaso com os escravos que foram soltos pelas ruas sem amparos de políticas públicas inalgurando no Brasil uma significativa população de rua e também instituições e estratégias de esconder/eliminar essa população.
Assim como tivemos no verão temperaturas acima do normal, estamos passando agora por chuvas também nunca antes vivenciadas. Essas transformações não são ao acaso, isso tem um motivo. O planeta é um grande organismo vivo, um grande sistema. Quando algum fator o desiquilibra, todo o sistema é modificado. A natureza está nos alertando pra algo que já deveriamos estar mais atentos: é necessário ter um olhar ecológico para guiar nossas vidas. Para isso é preciso consciencia ambiental (educação, no mais amplo sentido da palavra. Educação nas escolas, educação dos afetos – percebendo a si e ao outro -, educação para compreender as diversidades e a vida). Também é preciso modificar o modelo capitalista/do consumo que vivemos e isto é uma tarefa do cotidiano, dos hábitos. Todas as leis, os modelos, as culturas, as moralidades e imoralidades dentre tudo que nos cerca na vida foram construidas por nós, seres humanos. Por isso temos que nos perguntar que tipo de sociedade queremos, de fato, construir. Com essa fala eu não quero desculpabilizar prefeitos, governador e presidente e colocar a “culpa” da chuva no povo. Muito pelo contrário, quero reforçar que a ecologia é uma linha que caminha junto com a política, elas são a solução – ou não – para o nosso país. Por isso é necessário prestar a atenção nas ações e propostas de candidatos, principalmente neste momento de eleição.
Para finalizar gostaria de comentar sobre a fala do secretário de obras de Niterói, Mocarzel. Quando questionado sobre o porque de Niterói ter sido a área mais devastada de todo o estado do Rio de Janeiro, ele respondeu que isso aconteceu pelo fato de Niterói ser espaço geográfico com muitas montanhas e pelas chuvas tão fortes e inesperadas. A explicação dele teria sido irônica se o assunto não envolvesse tantas vidas. Como secretário de Obras e Serviços Públicos, diretor da Fundação Parques e Jardins e conselheiro da Secretaria estadual de Urbanismo e subsecretário estadual de Integração Social, eu esperava dele apenas a sinceridade: problemas devido a especulação imobiliária, pelas obras “furrecas” para uma boa aparência a cidade e um descuido com aqueles que só são cidadãos de direito quando convém. O caso de amor entre Jorge Roberto Silveira e o povo de Niterói, que já estava destruido há muito tempo mas que só foi trazido a tona agora precisa ser rompido de vez! Apesar de achar que ele tem responsabilidades neste caso da chuva, não o culpo como único elemento nesta história, mas acredito que ele é um simbolo forte que ajuda em uma típica crença niteroense: “Sr. Prefeito Fulano pode até ... mas pelo menos ele faz”. Vamos parar com isso galera! Vamos “aproveitar” essa tragédia pra nos fortalecer e lutar, cada dia mais, por uma sociedade que respeite a vida e legitime os direitos sociais. Vamos gritar, denunciar, exigir e transformar.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Pra ver a banda passar?

Esse blog surge de um desconforto. Um desconforto imenso!

Quando viajo minha busca sempre se direciona mais as pessoas e depois, através delas, as paisagens, as histórias do lugar. Não que no meu dia-a-dia não faça isso, acho que a minha vida sempre esteve muito ligada na busca dos outros olhares pro mundo, sempre fui muito curiosa por gente no mundo – e talvez por isso tenha resolvido me meter com a psicologia social - mas acho que viajando eu me permito isso mais aberta e intensamente. Conheço senhoras costurando na praça ou em alguma fila de brindes, converso com prostitutas, bêbados, loucos, crianças, mendigos... E tantas pessoas que em meu cotidiano quase sempre são apontadas e tratadas como as que não têm nada a dizer. Acontece que, já há algum tempo, tenho percebido que muitas vezes aprendo tanto ou mais nessas conversas do que nas grandes palestras dos doutores colecionadores de títulos de pós-isso, pós-aquilo.
Quando chego de volta de uma viagem é sempre muito impactante. Como quando me deparo com a tal academia, por exemplo. Seja numa sala de aula, numa palestra, seminário (internacional, universal, intergaláctico) percebo com mais clareza que os "qualificados", merecedores de horas de discurso ininterrupto, poucas vezes tem algo sincero e afetado a dizer. Algo que se transforme em prática coerente. É tudo meio plástico! Na verdade, são discursos até bem bonitos, vocabulários rebuscados, referências bibliográficas em mais de 5 idiomas, super bacana! Mas daí eu pergunto: e quando a coisa toma corpo, espaço e tempo, o que temos? E é aí que a coisa se perde. O que temos é um vazio, um hiato e muitas coisas mais interessantes pra fazer ou pensar ou escrever. Discursos brilhantes e tão incoerentes com a prática. Sim, incoerentes. Falta tanta coerência entre os discursos e as práticas que às vezes fico enjoada.
Quando será que vamos nos convencer de que é preciso escutar a voz da rua, do povo, da terra para que as nossas teorias realmente sirvam de algo? Quantas provas do fracasso desse distanciamento entre um campo e outro ainda serão necessárias para que aceitemos que não há sentido nessa (des)qualificação infundada do outro? Do que trabalha ali, mora ali, respira ali. Não é petulância demais nos colocarmos como especialistas da vida do outro e desqualificar seu discurso, seus sentimentos, seu cheiro, sua textura?
Não acredito poder-se mudar o mundo sem tocá-lo, ouvi-lo, vivê-lo. Sem sentir o gosto dele, o cheiro dele. E é necessário que se cheire o cangote do mundo, acaricie seus cabelos e escute atentamente seus sussurros ao pé do ouvido, com direito a mordiscadas na orelha.

Até quando a banda vai passar e a moça feia ficará na janela pensando que a banda toca pra ela? Sai da janela e vai pra rua, moça!